Embora a primeira lei sobre concessão de ferrovias no Brasil seja de 1835, sob o Regente Feijó, o impulso definitivo foi dado pela Lei 641 de 26 de julho de 1852, do governo Imperial, "concedendo privilégio de concessão por 90 anos e garantia de juros de 5% sobre o capital empregado por companhias que se organizassem para construir estradas interligando Rio de Janeiro às províncias de Minas Gerais, São Paulo e outras, e reservando ao Governo o direito de fixar o modo e prazo da garantia".
Esta lei criava também o chamado privilégio de zona, não permitindo a construção de outras ferrovias numa faixa de 33 km para cada lado da linha sem o consentimento da ferrovia concessionária, e dava-lhe o direito de fazer desapropriações e explorar as terras devolutas, bem como isenção de impostos para o material importado, inclusive para o carvão que utilizasse como combustível. Em contrapartida, a ferrovia concessionária ficava limitada a auferir dividendos de no máximo 8%, além do que teria que reembolsar o Governo pela quantia paga por conta da garantia de juros, ou reduzir as tarifas em vigor.
BARÃO DE MAUÁ
LANÇAMENTO DA PEDRA FUNDAMENTAL DA ESTRADA DE FERRO MAUÁ
Hoje é fácil de ver o defeito de tal sistema, inspirado na Rússia czarista: desincentivava a busca de eficiência tanto na construção como na operação. A garantia de juros significava remuneração certa para o capital, não importando de que jeito fosse empregado. E o teto para dividendos penalizava quem apesar disso quisesse ser eficiente. Foi, no entanto o único modo que o Império encontrou para mobilizar os escassos capitais líquidos da época, mais envolvidos no financiamento do comércio e do tráfico de escravos.
Poucos anos mais tarde o Governo permitiu que a garantia de juros pudesse ser acrescida de mais 2% a serem pagos pelos governos das províncias. Também foi permitido que as províncias fizessem concessões por sua própria conta. Várias linhas em São Paulo chegaram a obter garantia de juros de 9%. Outra facilidade foi a ampliação do limite dos dividendos, que pôde chegar a 12% em algumas das concessões julgadas mais importantes.
BARONESA DE MAUÁ
O privilégio de construir a primeira ferrovia no Brasil não recebeu no entanto qualquer garantia de juros. Irineu Evangelista de Souza, depois Barão e Visconde de Mauá, então o maior empresário do Império brasileiro não era homem de esperar. O primeiro trecho de sua Estrada de Ferro Mauá, inicialmente Imperial Companhia de Navegação e Estrada de Ferro de Petrópolis, na província do Rio de Janeiro, entre o Porto Mauá (Guia de Pacobaíba) e a estação de Fragoso foi inaugurado festivamente na presença do Imperador Dom Pedro II no dia 30 de abril de 1854 (mais tarde Dia do Ferroviário), com risco total para o empreendedor. A extensão era de 14,5 km e a bitola de 1,676 m, como na Argentina. Mais tarde completaria 16,1 km, chegando à raiz da serra da Estrela.
A ferrovia fazia parte de um sofisticado sistema multimodal compreendendo transporte hidroviário entre o Rio de Janeiro (atual Praça Mauá) e Porto Mauá, através da Baia de Guanabara; trem até a raiz da serra; e tração animal até Petrópolis, de onde a ferrovia retomaria até chegar ao vale do Paraíba. Não havia na época técnica para vencer rampas tão acentuadas.
A serra de Petrópolis chegou a ser vencida pelos trilhos em 1883, mas o sonho de chegar ao vale do Paraíba foi esmagado pela concorrência da EF D. Pedro II, futura EF Central do Brasil, jóia da coroa imperial, primeira ferrovia a ser colocada sob a proteção do Estado, em 1865. A EF Mauá sobreviveu, mal até 1890, quando foi incorporada pela Leopoldina Railway, então em plena expansão.
TRABALHADORES NA PRIMEIRA FERROVIA DO BRASIL
INAUGURAÇÃO DA EF MAUÁ - 30/04/2014
Apesar dos defeitos que continha, a garantia de juros deu certo e diversas outras ferrovias foram sendo construídas em várias províncias, de maneira que até o final do Império haveria 9.356 km de linhas em tráfego. As maiores eram a EF D. Pedro II, então com 828 km, pertencente e operada pela União a Cia. Estrada de Ferro Leopoldina, inicialmente controlada por capitais brasileiros e mais tarde, a partir de 1897, por capitais ingleses, com 764 km de extensão; e a Cia. Mogyana de Estradas de Ferro, construídas pelos cafeicultores paulistas, com 717 km. No total havia 66 estradas de ferro, sendo 9 da União. As demais pertenciam sobretudo a empresas privadas brasileiras. Com exceção da São Paulo Railway, inglesa, inaugurada em 1867, ainda não chegando o tempo dos grandes investimentos estrangeiros.
As obrigações decorrentes das garantias entretanto acumulavam-se, e para conter a sangria o governo imperial promulgou a Lei 2450, de 24 de setembro de 1873, criando como alternativa uma subversão quilométrica de 30 contos de réis por km. Foi desastroso. A subversão propiciou a construção de péssimos trechos de que até hoje nos ressentimos, uma vez que as ferrovias construídas abaixo desse limite sairiam de graça, ou com lucro. Ficava estabelecido um outro fortíssimo estímulo à construção de ferrovias de abaixo custo e quilometragem desnecessária, fazendo voltas e ziguezagues com um mínimo de movimentação de terra. E embora pareça difícil admitir que ninguém o tenha visto, a verdade é que não tinham os brasileiros com quem discutir. O assunto era desconhecido, a construção das estradas de ferro foi o primeiro grande desafio da engenharia nacional. A experiência anterior se limitava a fortificações militares e demarcação de fronteiras.
SERRA DE SANTOS EM PARANAPIACABA
Apesar dos defeitos que continha, a garantia de juros deu certo e diversas outras ferrovias foram sendo construídas em várias províncias, de maneira que até o final do Império haveria 9.356 km de linhas em tráfego. As maiores eram a EF D. Pedro II, então com 828 km, pertencente e operada pela União a Cia. Estrada de Ferro Leopoldina, inicialmente controlada por capitais brasileiros e mais tarde, a partir de 1897, por capitais ingleses, com 764 km de extensão; e a Cia. Mogyana de Estradas de Ferro, construídas pelos cafeicultores paulistas, com 717 km. No total havia 66 estradas de ferro, sendo 9 da União. As demais pertenciam sobretudo a empresas privadas brasileiras. Com exceção da São Paulo Railway, inglesa, inaugurada em 1867, ainda não chegando o tempo dos grandes investimentos estrangeiros.
TÍTULO DA CIE DU CHEMIN DE FER VICTÓRIA
A MINAS EMITIDO DE PARIS EM 1907
As obrigações decorrentes das garantias entretanto acumulavam-se, e para conter a sangria o governo imperial promulgou a Lei 2450, de 24 de setembro de 1873, criando como alternativa uma subversão quilométrica de 30 contos de réis por km. Foi desastroso. A subversão propiciou a construção de péssimos trechos de que até hoje nos ressentimos, uma vez que as ferrovias construídas abaixo desse limite sairiam de graça, ou com lucro. Ficava estabelecido um outro fortíssimo estímulo à construção de ferrovias de abaixo custo e quilometragem desnecessária, fazendo voltas e ziguezagues com um mínimo de movimentação de terra. E embora pareça difícil admitir que ninguém o tenha visto, a verdade é que não tinham os brasileiros com quem discutir. O assunto era desconhecido, a construção das estradas de ferro foi o primeiro grande desafio da engenharia nacional. A experiência anterior se limitava a fortificações militares e demarcação de fronteiras.
ANTIGA SEDE DA ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO
BRASIL, NO RIO DE JANEIRO
Uma exceção na política de arrendamentos de ferrovias públicas na República Velha foi a antiga EF D. Pedro II, já então EF Central do Brasil. Antecipando de quase 100 anos o que aconteceria nos tempos atuais com outras empresas estatais, a central foi um núcleo de resistência ao liberalismo de então, lutando de todos os modos para preservar seu status de empresa pública, no caso a mais importante empresa pública do país. Houve várias tentativas de arrendar a Central. A primeira foi de Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente republicano, o que foi fator decisivo para a destituição (Jornal do Commercio, Retrospecto Comercial, 1891). Em 1896 houve nova tentativa, e em 1924 o presidente Arthur Bernardes supostamente concordou em permitir que investidores britânicos adquirissem a companhia.
Todas essas tentativas fracassaram. Em 1897 os Rotschild estiveram tão interessados que o presidente Prudente de Morais, passando para o lado dos conservadores, queixou-se - citado por Steven Topik - que "eles nos querem tomá-la na marra". Em 1924 foi a vez da São Paulo Railway tentar comprar a Central, mais uma vez inutilmente. Para se ter uma idéia da relevância da questão, quando em 1891 Deodoro ofereceu a Central para arrendamento o Congresso protestou e foi fechado pelo presidente. Em represália os ferroviários entraram em greve, isolando Deodoro no interior do Rio e levando à sua destituição. Dois anos mais tarde eles fariam o mesmo com Floriano, que no entanto resistiu.
Os ferroviários da EFCB nunca mais conseguiram tomar uma parte tão ativa no processo político, mas sempre representariam uma ameaça aos liberais. Antes de tudo porque nos anos da república velha a central transportava metade dos passageiros e um quarto das cargas do país. E depois pelo simples número de empregados. Já em 1894 a Central empregava mais de 14 mil pessoas, dois terços do exército nacional. Em 1930 seriam mais de 26 mil. E em 1957, na criação da Rede Ferroviária Federal, 51 mil! E todos queriam continuar funcionários federais. Já havia então privilégios, como descanso semanal remunerado, férias e aposentadoria, vantagens que pouquíssimas empresas privadas podiam oferecer. Além naturalmente de garantia de emprego. Esta poderosa corporação, advertia em 1928 o ministro da Agricultura, Pandiá Calógeras, poderia caso a Central fosse arrendada a investidores privados, decretar a greve geral e levar ao risco da revolução. A capital federal, politizada e populosa, ficaria isolada das suas fontes de alimentos e transporte suburbano ficaria totalmente desorganizado.
Mais uma vez como aconteceria muitas décadas mais tarde, o setor privado diretamente envolvido com a ferrovia, ou seja, seus principais clientes ( ainda não havia indústria ferroviária no Brasil) também defendia a administração federal para a central do Brasil. Produtores rurais, comerciantes industriais e mineradores do Rio, São Paulo e Minas Gerais, queriam a manutenção das tarifas subsidiadas que a ferrovia já praticava naquela época.
DA ESQ. P/ DIR.: CARLOS FOY WESTERMANN,
JOÃO CARLOS GUTIERREZ, PEDRO SCHERER DA CIE GÉNERALE
DES CHEMINS DE FER AU PARANA
Mas se o governo podia comprar as linhas para se livrar das garantias não iria por isso administrá-las, e o presidente Campos Sales, e os seus sucessores Rodrigues Alves, Afonso Pena e Nilo Peçanha logo começaram a devolver as ferrovias públicas à iniciativa privada através de uma política de arrendamento. Campos Sales, citado por Steven Topik em "A presença do Estado na economia política do Brasil de 1889 a 1930" (Editora Record, 1987) declarava: "Longa experiência mostrou que não há vantagem em manter ferrovias sob administração pública (...) Entregá-las à iniciativa privada e estimular a atuação dos interesses privados não só alivia do Tesouro Nacional (...) como amplia a esfera de prosperidade e de utilidade tanto para o comércio como para a indústria". O raciocínio levou a uma nova fase da história com a constituição de enormes companhias ferroviárias estrangeiras.
Enormes mesmo. A inglesa Great Western of Brazil Railway Company cresceu de uma pequena linha de 83 km construída em 1882 (EF Recife ao Limoeiro) para uma rede de 1.438 km formada em boa parte com o arrendamento, em 1901, de seis ferrovias recém encampadas (dizia-se "resgatadas"): EF Natal e Nova Cruz, Conde d'Eu, Recife ao São Francisco, Central das Alagoas, Sul de Pernambuco e Paulo Affonso. O valor do arrendamento das seis últimas foi pago pela desistência dos juros da primeira. Mais tarde acrescentou-se à malha da Great Western a EF Central de Pernambuco.
A Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil pertencia a bancos e investidores belgas. Começou em 1898, arrendando 758 km da EF Porto Alegre a Uruguaiana e chegou a operar toda malha de 2.000 km da Viação Férrea Rio Grande do Sul, constituída pelas EF Porto Alegre e Uruguaiana, Rio Grande a Bage, Santa Maria a Passo Fundo, Porto Alegre a Novo Hamburgo e Novo Hamburgo a Taquara. Vale a pena olhar o quadro de subscritores no lançamento da empresa para constatar a sua diversificação.
FRANCISCO FERREIRA BRANDÃO, CONDUTOR DE TRENS,
37 ANOS DE SERVIÇO NA EF MADEIRA-MARMORÉ
MOVIMENTO DO EF RIO GRANDE-BAGÉ
A Auxiliaire durou até 1910, quando foi adquirida pela Brazil Railway Company, de Percival Farquhart, como ficaria conhecido, chegou ao Brasil em 1906 e, armada de capitais dos EUA e Canadá, simplesmente arrendou 40% da malha brasileira, além de muitas outras concessões de serviços públicos. Quebrou fragorosamente nos primeiros anos da I Guerra Mundial, perseguido pela imprensa nacionalista, que o acusava de representante dos trustes internacionais.
Finalmente, entre as muito grandes, havia também The Leopoldina Railway, que chegou em 1912 a ter 2.400 km através de arrendamentos e aquisições. Veja a seguir a trajetória das principais ferrovias no início deste século.
A mais inglesa das ferrovias brasileiras teve a sua pujança econômica garantida pelo monopólio (de fato) de acesso ao Porto de Santos a partir do planalto, garantindo-lhe uma participação decisiva na economia do estado de São Paulo. A ligação ferroviária entre o planalto paulista e o litoral foi talvez a maior idealização de Irineu Evangelista de Souza, a quem foi dada a concessão para construir uma linha entre Santos e Rio Claro, 250 km para o interior, com garantia de juros de 7%, sendo 5% pelo seu Governo Imperial e 2% pelo governo da Província de São Paulo. A concessão dava também o privilégio de zona, não permitindo que outras ferrovias fossem construídas num raio de trinta quilômetros para cada lado da via. As obras foram iniciadas em 1860, escolhendo-se a mesma bitola de 1,60 m da Estrada de Ferro Dom Pedro II.
O sonho de Mauá acabou tronando-se um pesadelo a firma inglesa que empreitava as obras, a Robert Sharp & Sons, faliu de forma suspeita, enterrando todo investimento que ele havia feito pessoalmente e causando-lhe um baque do qual nunca mais iria se recuperar. O triste episódio é contado em detalhes na recente biografia "Mauá: Empresário do Império", de Jorge Caldeira (ed. Companhia de Letras, 1995). A São Paulo Railway, controlada pela casa Rothschild e outros poderosos investidores ingleses foi autorizada a funcionar no Brasil em junho de 1868, um ano depois da inauguração de sua linha entre Santos e Jundiaí. Numa renúncia da qual em breve se arrependeria, a SPR declinou de estender suas linhas entre Jundiaí, Campinas e Rio Claro, preferindo controlar apenas o lucrativo acesso ao Porto de Santos. Da ausência nasceria posteriormente a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, destinada a formar junto com a SPR o par de ferrovias mais lucrativas do Brasil na primeira metade do século XX. O trecho da Serra do Mar, entre Paranapiacaba e Raiz da Serra, era um prodígio de engenharia na época e
Utilizava um sistema funicular de planos inclinados onde trens eram puxados por cabos de aço tracionados por máquinas de vapor fixas. Os cabos de aço eram presos a um carro-breque especial denominado "serra-breque" dotado de freios tipo tenazes que mordiam os trilhos em caso de emergência. O sistema no entanto não podia ter sua capacidade expandida além do máximo de 1.252.000 toneladas/ano em cada sentido. Alguns eminentes jonais de São Paulo comentariam mais tarde que os planos inclinados da Serra haviam sido construídos de fato para burlar as cláusulas de tráfego mútuo que a SPR, ao menos teoricamente, seria obrigada a obedecer, já que na prática nenhum trem de outra companhia poderia chegar a Santos sem sua intervenção. Locomotivas convencionais não podiam trafegar sem os loco-breques nos planos inclinados. Com o passar dos anos a capacidade da linha ficou de fato esgotada. Diante da pressão crescente da demanda,a SPR empreendeu a duplicação de toda a sua linha tronco, na serra e no planalto, e construiu um novo sistema funicular de maior capacidade. As obras foram feitas em ritmo acelerado em todas as suas frentes, tendo sido concluídas por volta de 1900. O novo sistema funicular da serra, a partir de então conhecido como "Serra Nova", era uma maravilha tecnológica. Os trens trafegavam por cinco planos inclinados entre Paranapiacaba e Piassaguera, rebocados por locomotivas a vapor especiais chamadas loco-breques. Duas loco-breques trafegavam ao mesmo tempo em cada plano inclinado, respectivamente subindo e descendo, presos por tenazes a um cabo sem fim tracionado por uma máquina a vapor fixa.
A capacidade teórica do funicular da Serra Nova era calculada em cerca de 6 milhões de toneladas anuais em cada sentido, sendo a lotação de cada trem limitada a 128 toneladas na passagem pelos planos inclinados. Ao duplicar a sua linha tronco, a SPR instalou o mais extenso sistema de sinalização mecânica do Brasil na época, dotando todas as estações de cabines de chaves e sinais. A magnífica Estação da Luz, construída no centro da capital paulista, dignificava seus viajantes, e já começava a se desenvolver um tráfego intenso de passageiros entre as estações suburbanas da SPR no norte e sul da cidade.
Durante as primeiras décadas do século XX a SPR procurou manter seu desempenho, tornando-se uma referência em termos de eficiência dentre as ferrovias no Brasil. A sua administração e operação eram tipicamente inglesas, refletidas com orgulho no estilo impecável de suas estações locomotivas e na aparência do seu pessoal. A operação era pontual como nas melhores ferrovias britânicas, e dela se beneficiavam também os trens da Companhia Paulista de Estadas de Ferro que partiam da Estação da Luz rumo ao interior paulista. A SPR foi à empresa ferroviária de capitais ingleses mais rentável em toda América Latina, oferecendo entre 1876 e 1930 um dividendo anual de 10,6% sobre o valor ao par de suas ações ordinárias. O melhor período foi entre o princípio do século e a I Guerra, quando o número nunca caiu abaixo de 12%. As ações da companhia também subiam sem parar. De £20 no começo da história da companhia as ações passaram a £30.10s em 1875, para £40.10s em 1880 e para £50.10s em 1887, o ponto mais alto. Depois sofreram um certo declínio mas em 1905 estavam novamente vendendo a mais do dobro do valor ao par, e assim ficaram até a I Guerra.
A construção e o desenvolvimento das principais ferrovias nos Estados Unidos, entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX, caracterizou-se por grandes empreendimentos realizados na direção Oeste por poderosos empresários que ficariam conhecidos pela história, justa ou injustamente, como "Barões Ladrões" ( Robber Barons) face ao imenso poder e fortuna que acumularam. Os "Barões Ladrões" ganharam fama e estimularam muitos jovens ambiciosos a tentar seguir seu exemplo no mundo dos negócios.
Um desses jovens era Percival Farqhuar - uma personalidade que se tornou quase lenda do Brasil durante o primeiro quartel do século XX. Farqhuar era filho de um importante industrial, conhecido e respeitado nos meios financeiros de Nova York e Londres, e que partilhou da amizade de todos os presidentes americanos, de Lincoln a Hoover. No final do século XIX, ele rapidamente se entrosou no meio financeiro americano, inicialmente trabalhando para grandes empresários, com os quais teve a oportunidade de conhecer os principais banqueiros da época. Sempre enérgico e ambicioso, Farqhuar logo percebeu que as oportunidades para fazer fortuna iam se tornando cada vez mais difíceis nos Estado Unidos. Mas que eram abundantes em países ainda em desenvolvimento no continente americano. Seus primeiros empreendimentos de sucesso nas áreas de transporte e infra-estrutura foram em Cuba e na Guatemala, entre 1898 e 1908, a partir de quando passou a se dedicar quase que exclusivamente a explorar oportunidades no Brasil.
O interesse de Farqhuar pelo Brasil começou em 1904, participando da organização de empresas que posteriormente se tornariam famosas, como por exemplo a Rio de Janeiro Tramway, Light & Power Company. Seu primeiro empreendimento ferroviário - e pelo qual ficaria mais conhecido no Brasil - foi, em 1907, a construção da Madeira-Mamoré Railway Co, em plena selva amazônica, integrando-a à navegação fluvial como parte de um sistema transporte e exportação da borracha nativa da região. A ferrovia era longa, tinha 364 km, e foi inaugurada em 1912, justamente quando chegava ao fim o boom da borracha nativa. O tráfego foi suspenso em 1931. Entretanto foi no sul do Brasil que Farqhuar vislumbrou criar um gigantesco complexo de transportes e colonização, inspirado pelo clima ameno e terras semelhantes às que atraíram milhares de imigrantes europeus para a América do Norte. Em 12 de novembro de 1906 ele fundou nos Estados Unidos a Brazil Railway Company, destinada a se tornar em apenas seis anos e maior empresa ferroviária privada que o Brasil já conheceu. As principais ferrovias que Farqhuar comprou ou arrendou neste período foram:
Espinha dorsal das linhas da Brazil Railway Company nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a SP-RG na época ligava Ponta Grossa (PR) a Porto União Vitória (SC) e possuía diversas concessões para outras linhas, incluindo seu prolongamento até Marcelino Ramos no Rio Uruguai, fronteira com o estado do Rio Grande do Sul. A SP-RG possuía também direitos a mais de 6 milhões de acres de terras da melhor qualidade, concedidas praticamente às vésperas da Proclamação da República em novembro de 1889;
Umas das obras primas da engenharia ferroviária brasileira, a linha tronco entre Curitiba e Paranaguá construída entre 1880 e 1885 é a ainda hoje admirada pelo audacioso trecho de simples aderência que transpõe a Serra do Mar.
A importância desta estrada no estado de Santa Catarina era garantir o aproveitamento de parte de suas linhas para fazer parte da ferrovia quer Farqhuar planejava de São Paulo ao Rio Grande do Sul junto à costa brasileira;
Farqhuar adquiriu o controle da grande ferrovia que se desenvolvia na época entre a capital de São Paulo até quase a fronteia com o Paraná através de um dos lances empresariais mais audaciosos da época. Farqhuar por acaso estava em Londres no ínicio de maio de 1907, quando o prestigioso jornal The Times noticiou que o superintendente da São Paulo Railway, ferrovia inglesa, estava embarcando para o Brasil com a missão de arrendar a Sorocabana, então sob controle estadual. A posse da Sorocabana pela Brazil Railway Company era considerada fundamental e Farqhuar há muito vinha tentando sem sucesso uma negociação neste sentido com o Governo de São Paulo. Como o navio trazendo o superintendente da SPR iria demorar cerca de duas semanas para chegar ao Brasil, Farqhuar iniciou uma desesperada campanha para obtenção de recursos em Paris e nos Estados Unidos, correndo contra o tempo para poder fazer sua oferta. Após intensas negociações, Farqhuar deu sinal verde para os seus representantes negociarem o arrendamento da Sorocabana com o governo paulista, de maneira que quando o superintendente da SPR desembarcou São Paulo, a Sorocabana já era mais uma ferrovia sob controle da B.R.
Era arrendatária de cerca de 2000 km de linhas no Rio Grande do Sul, constituindo-se em um elo natural na cadeia de ferrovias da Brazil Railway Company. O arrendamento da Auxiliares, em 1910, foi relativamente simples para Farqhuar, já que ele matinha boas relações com o grupo de banqueiros belgas que detinham o controle desta companhia;
Farqhuar interessou-se também por controlar as principais concorrentes da Sorocabana, como ela construídas por fazendeiros paulistas, segundo o avanço do café. Mas nesse caso os investimentos teriam que ser muito grandes. Ao invés disso, a Brasil Raiway Company acabou por adquirir um significativo lote de ações de ambas as ferrovias, nomeando diretores para influir aos menos em parte na administração de acordo com seus interesses. A influência maior acabou sendo na Mogiana, que na época carecia de recursos. Farqhuar tentou ainda superar a si mesmo, e através de complexas manobras financeiras quase veio a adquirir controle da própria São Paulo Railway. Esta operação acabou não dando certo por traição de um dos banqueiros donos da SPR que Farqhuar contava estar aliciando.
Para tornar viável o gigantesco empreendimento da Brazil Railway Company, Farqhuar também investiu pesado na construção de diversas linhas de conexão, tornando a ligação ferroviária entre São Paulo e o Rio Grande do Sul uma realidade. Farqhuar orientava as companhias para que construíssem as novas linhas nas melhores condições técnicas possíveis, contratando os melhores empreiteiros nos Estados Unidos. Farqhuar também não economizava em material rodante, fazendo a primeira grande padronização de equipamentos ferroviários no Brasil.
No auge da Brazil Railway Company, Farqhuar era considerado o maior símbolo do poder econômico norte americano no Brasil. Seus investidores eram dirigentes da Conadian Pacific, da Canadian Steamship Co, da Wisconsin Central, da Minneapolis and St. Louis, da Geórgia Central Railroad, da United Fruit Co. Também havia sócios nas ferrovias da Guatemala, Jamaica e Costa Rica, na Mexican Ligth and Power e no Banque dês Pays Bas. O congloramento reunia no Brasil 38 empresas, e parecia grande demais aos olhos do governo, da opnião pública e da concorrência. Havia operadoras de docas em importantes portos brasileiros, uma grande cia. madeireira, uma fábrica de papel, enormes áreas em Mato Grosso e no Pará, o primeiro moderno frigorífico do Brasil, a Bahia Tramway, Light and Power Company e uma grande frota de vapores no Amazonas. A Brazil Railway também compartilhava diretores com a Great Western, com a Leopoldina e com a Brazilian Traction, a maior empresa de utilidade pública do Brasil.
A essas alturas, por volta de 1912, explodiu uma campanha nacionalista alimentada por grupos nacionais e estrangeiros. Farqhuar e suas empresas batizadas de “ Sindicato Farqhuar”, sofreram uma campanha de difamação sem tréguas pela imprensa onde ele era invariavelmente retratado como o representante dos “tentáculos do imperalismo ianque sovre o Brasil". Ao mesmo tempo, acabava a Belle Époque do mercado financeiro internacional. A história registra que o empreendimento da Brazil Railway Company só foi possível pela abundante oferta de capitais que se verificou no mundo até por volta de 1912. O agravamento da crise política européia acabou levando à Primeira Guerra Mundial e fez com estes capitais se retraíssem justamente numa época em que a Brazil Railway Company começava a dar os primeiros sinais de desequilíbrio financeiro. A partir de 1913 a Brazil Railway Company começou a ficar insolventes, e Farqhuar tentou desesperadamente obter recursos no exterior. Mas a situação foi se deteriorando rapidamente e o inevitável aconteceu em outubro de 1914 com a falência da Brasil Railway Company decretada nos Estados Unidos.
O Governo Federal e os governos de São Paulo e do Rio Grande do Sul intervieram na administração das principais ferrovias do Brazil Railway Company, enquanto corria uma avalanche de processos na justiça americana, brasileira e francesa. Felizmente, ao menos em termos de equipamento, a BR deixava as ferrovias sob sua administração numa situação infinitamente melhor do que as encontrava.
Farqhuar voltaria a ser manchete no Brasil por mais de trinta anos, a partir de 1919, travando desta vez uma épica batalha para exportar minério de ferro das reservas da Itabira Iron, em Itabira (MG), envolvendo desta vez a Estrada de Ferro Vitória a Minas. Mas... esta já é outra história.